domingo, 7 de janeiro de 2018

A Raça

A terminologia raça pode ser bem ou mal aceite em pleno século XXI, os antropólogos certamente que continuarão a usar o término, enquanto setores da sociologia irão contrariar e usar outros terminologias para classificar grupos ou pessoas.
O que me preocupa realmente, é o que o término raça provoca nas pessoas e na sociedade, sobretudo quando politicamente o fato de pertencer a uma determinada "raça" é utilizado para segregar, excluir, empobrecer etc.

O que me preocupa é o que uma raça pode fazer a outras, a raça detentora do poder, seja político ou económico ! O que pode fazer com os indesejados!?
A lei do degredo foi no século XV ao XVI, mas em pleno século XXI, há uma lei do degredo subtil, que não envia os indesejados para as colónias ultramarinas, mas envia-os para as periferias, os bairros sociais...
Deixo um texto que escrevi há dois anos sobre bairros periféricos.


Bairros Periféricos/Intervenção
Periferias, para muitas pessoas esta palavra pode ser sinónimo de muitas coisas, muitas vezes assustadora quando se fala em bairros sociais, sim, porque grande parte dos bairros sociais das nossas cidades foram estrategicamente construídos pelos políticos em zonas periféricas, longe do olhar dos demais, inaudíveis, concentrados, isolados.
Posso-me considerar um cidadão periférico, pois sou português cigano e fui “empurrado” a viver num bairro social durante 28 anos, e o facto de ser cigano é implicitamente associado aos bairros “guetos” sociais periféricos. Os pobres, os indesejados da sociedade, as minorias étnicas e grupos de imigrantes vistos como os “ranhosos” por grande parte da sociedade. Esta sociedade pressiona politicamente de maneira a que aconteça uma espécie da lei do degredo do século XX e XXI, só que agora os indesejados e os ciganos já não vão fazer trabalhos forçados nas galés ou colonizar as novas terras achadas ou descobertas, dependendo da interpretação de cada um, são enviados para os bairros periféricos…
As políticas de habitação do século XX e XXI em Portugal são do mais terrível que nos podia ter acontecido, a guetização de pessoas ou de grupos é um descalabro total, pois a política habitacional nunca teve como objetivos a melhoria habitacional ou a integração das pessoas, o único desejo político era afastar dos centros das cidades os indesejados, os “ranhosos” para assim facilitar o controlo policial (ter um único foco de problema), guetos apenas com uma entrada e uma única saída para tornar as investidas policiais mais eficazes, guetos construídos sem estarem capacitados com infra estruturas de apoio, vetados ao abandono, guetizados que foram encaixotados num apartamento de construção duvidosa, materiais de construção de última categoria…
Pela falta de sensibilidade e crueldade dos autarcas que decidiram apostar na construção de bairros sociais, assistimos hoje a territórios “barris de pólvora”, os bairros sociais apesar da pobreza apresentam as várias culturas dos moradores e ainda a cultura do bairro que se sente revoltada com a sociedade, sentem-se abandonados e assim desejam a todo o custo manter e conservar traços e as características do bairro, tornando-se inflexíveis às sugestões do exterior…
Há agora autarcas e pessoas preocupadas com estes guetos forçados, sinceramente, acho que muitas destas pessoas não estão preocupadas com as ditas pessoas, estão sim interessados em pacificar esses territórios porque pouco a pouco as cidades têm necessidade de crescer e as ditas periferias deixam de ser periferias para serem assimiladas pelo crescimento da cidade, e aí há um despertar de interesses de novas construções, comerciais, industriais etc.
Os guetizados são sempre pessoas multiplamente discriminados, excluídos socialmente, porque normalmente pertencem a um grupo minoritário, porque é pobre e é residente no gueto, fatores para os afastar do mundo do trabalho… Quantos são aqueles que quando apresentam os CVS têm que dar uma outra morada para que não sejam afastados à partida numa oferta de emprego??!!
O pensamento de um guetizado da periferia é fácil de descortinar: «sou indesejado pelos de fora do bairro, sou visto como inimigo, para quê estudar? Quem nos vai dar emprego? Porque nos olham ou fogem de nós quando vamos ao centro da cidade? Porque sussurram quando nos vêem? Não sou encarado como um cidadão mas sim como um estorvo!...
Apesar de tudo, os guetizados conseguem também reconhecer e serem conscientes dos seus problemas e barreiras, também se questionam, e nada melhor que os guetizados para identificarem e priorizarem os seus problemas, elaborarem propostas e contribuírem para a implementação da proposta, certamente que uma ajuda do exterior para organizar ideias é benvinda!


Há 16 anos, eu,  Bruno Gonçalves, juntamente com outros guetizados ciganos e não ciganos decidimos tentar mudar o panorama do gueto onde vivíamos, face ao enorme absentismo escolar nos bairros socias do Planalto do Ingote. Assim, em 1999 legalizamos a Associação Cigana de Coimbra que teve como prioridade um projeto de mediação intercultural para a escola, esta tinha 43% de absentismo. No primeiro ano baixou-se para 13% e sucessivamente nos anos seguintes conseguiu-se uma maior normalização escolar e sucesso escolar, a escola que era vista como a pior e mais assustadora de Coimbra hoje recomenda-se. Depois de 16 anos de intervenção, 2 antigos alunos entraram na universidade, outros tiveram percursos profissionais de sucesso.
A minimização da problemática nos bairros sociais periféricos passa por uma real vontade política, por uma aposta nas pessoas que lá vivem, possuidoras de enorme talento e competências ainda por descobrir e acima de tudo, delinear estratégias de trabalho não para os, mas com os residentes, o processo diz respeito a eles, eles têm as suas ideias, as suas estratégias, os seus sonhos, senão tiveram o direito de escolher onde deveriam habitar, devem ter o direito de desenhar uma melhor vida de acordo com as bases legais no bairro para onde foram “empurrados” e que os levou a uma desintegração forçada da sociedade…
A política habitacional correta é a disseminação destas pessoas pela malha urbana, fazer como se fazem noutros países, onde os municípios negociam com os construtores, terrenos municipais são vendidos a preços mais baixos para construção com o contrato que um ou dois apartamentos serão para habitação social, requalifiquem-se os centros da cidade...




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Estudantes Ciganos

https://youtu.be/lz3mApTyK9A